segunda-feira, 16 de maio de 2011

Litorais, rumos e ventos

As distâncias e rumos estimados possibilitam a consrtução de uma representação correta das formas do planeta; as realidades geográficas têm de estar associadas a uma avaliação empírica da distância (segundo a estima) e de sua direção (segundo a bússola) para poderem ter alguma utilidade. As informações concernentes ao maravilhoso e ao desconhecido podem (e certamente o foram), incorporadas a um esquema de carta portulano, mas não estão obviamente no mesmo plano das demais informações. E aqui tocamos um ponto fundamental: seu caráter técnico. O portulano não é um mapa ilustrativo de um manuscrito ou uma descrição do mundo segundo os clássicos latinos ou as Sagradas Escrituras: ele é um instrumento de navegação. Esta é sua razão de ser e o que determina suas características básicas e a organização de sua produção (87): as linhas dos ventos e rumos magnéticos; as informações geográficas referentes aos interiores que desaparecem em detrimento dos litorais; o contorno detalhado de litorais e ilhas; sua maior atualidade na nomenclatura geográfica e na toponímia e até mesmo no tipo de informação geográfica fornecida pelo mapa; o maior volume dos oceanos em relação às terras emersas; e, por fim, utilizando-se de uma linguagem positivista, é um mapa mais "correto".

Não é um instrumento perfeito (os problemas envolvidos em sua construção serão discutidos adiante): sua utilização e sua construção exigem um longo conhecimento dos mares navegados. Da mesma forma como os instrumentos científicos medievais, eles são uma concretização ainda rudimentar de um vasto e antigo saber empírico e não pode caminhar sem essa experiência quase milenar acumulada. Quando os descobrimentos apresentarem novos problemas para a navegação (além, evidentemente, dos apresentados pelo tipo de navio e de seus detalhes de velame e casco que não serão discutidos aqui) e os progressos da náutica oceânica começarem a revelá-los nas últimas décadas do século XV, um novo tipo de mapa terá de ser elaborado. Mas esta é uma outra história.




(87) - "Les arabes avaient leurs images figuratives et leurs cartes géographiques. De même les latins ayant leurs images et connaissant les méthodes de la construction des cartes géographiques, se donnaient la peine de dessiner quand le besoin s'en faisait sentir. Chez les latins, les dessinateurs qui savaient manier un compas, qui comprennaient les courses des marins et les itinéraires des voyageurs continentaux composaient ces cartes et avaient a cet effet des ateliers. Le fait est avéré par les monuments du XVIe sècle qui en sont sortis. Mais ils possedaient des ateliers avant cette époque, et bien antérieurment ils se livraient à l'art du dessin, du tempos de Roger et même avant; ils étaient alors probablement moins nombreux qu'au XIVe siècle et quelque peu moins avancés dans leur connaissances, mais ils n'étaient pas privées d'instruction; ils élaboraient lentement ce que le XIVe siècle mit au jour; quoiquue l'on ne connaisse pas de monument de leur connaissance et de leur capacité, rien n'autorise à les accuser d'ignorance." (Lelewel, op.cit., volume II, pág 16)

terça-feira, 10 de maio de 2011

Aspectos dos portulanos

Como no caso dos mapas encontrados nos manuscritos, os exemplares existentes de cartas portulanos, se não são em grande número, o são em suficiente número para impedir uma análise individual. Além disso, como, no âmbito de um pequeno trabalho geral como este, analisar detalhadamente as informações geográficas e técnicas contidas, por exemplo, na Carta Catalã ou nas dezenas de portulanos citados ou descritos em suas linhas gerais por Uzielli? Optamos por uma enumeração cronológica das principais obras, onde serão discutidas algumas questões.

Igualmente, como no caso anterior, Bagrow nos fornece um esquema classificatório para portulanos e que corresponde, grosso modo, às distintas zonas de expansão para o Mediterrâneo: Medieval portolans (from 1300 to 1500) may be divided into two characteristic groups according to their place of origin: Italian portolans, chiefly from Genoa, Venice and Ancona, and Catalan portolans from Majorca e Barcelona (...) Whereas the Italian maps serve no more that their immediate purpose of sea-charts and show little or nothing beyond the coast line, Catalan maps are not mereley navigational charts but also give informations of value to sailors, merchants, scholars and curious amateurs. The following are typical external features of Catalan maps: the neck of the parchment always lies to the left; a vertical stair with steps is drawn on the neck; directions are indicated by discs bearing the pole-star for the north, the earth-half in shadow (not the half moon) for the south, a cross for the east and a rosette for the west; on some maps the disc with the cross is pointed in red and yellow, the Aragonese colours; inland seas are shaded with vertical wave-lines; the names of the seas are given in coloured frames; the language used is Catalan or rather faulty Latin.

Italian maps usually delineate no more than the coasts of the Mediterranean and adjacent seas, with Atlantic coasts of Europe as far north as Netherlands. Exceptions are Carignano, the so-called Medici Atlas, and the maps of Pizigano and Carignano which (as we have seen) incorporated geographical information over and above the relating to the seas" (88).



(88) - "Majorca, the center of Catalan trade, was until 1248 under Arab rule, and the continuing contacts between Catalans and Arabs promoted the spread of Arabic geographical learning and the development of the art of cartography" (Leo Bagrow, op. cit., pág 65).

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Obra prima de Abraão Cresques

Se é a escola italiana a originadora de tais mapas, o ponto culminante da produção de portulanos é, sem dúvida, a Carta Catalã (1375-1379), composta pelo judeu maiorquino Abraham Cresques, ajudado por seu filho, Jehuda Cresques, para o rei Pedro III de Aragão e que, mais tarde, por volta de 1381, foi presenteado ao rei de França (89).

Composta por seis pergaminhos colados em tábuas, pintados em várias cores e em prata, e arranjados, por meio de um sistema de liames, em um volume único, é uma obra inigualável de ciência e arte. Cada tábua mede 23 polegadas de altura por 18 de largura, dobrando-se em sua largura em duas folhas de 9 polegadas; as duas primeiras tábuas contêm um tratado de cosmografia e de astrologia à guisa de prolegômenos para as quatro outras, que compõem o mapa-mundi (90).



(89) - Bagrow, op.cit., pág 66.

(90) - Lelewel, op.cit., volume II, pág 39.

Biblioteca Nacional da França

Sobre o Atlas Catalão.

Dois problemas

Um exame circunstancial  da Carta Catalã e das demais cartas marinhas verifica dois problemas: a inclinação incorreta da linha determinada pelo litoral da Palestina (e que acaba levando a Grécia e Mar Negro excessivamente ao norte) e a obliquidade do Mar Mediterrâneo que chega, no caso da Carta Catalã a 10 graus (a linha leste-oeste se transforma, aproximadamente, na direção E 1/4 SE - O 1/4 NO, colocando a Espanha e o estreito de Gibraltar a O 1/2 SO e o Mar Negro a E 1/4 NE). (91)

Esse fato indica um dos defeitos provocados pelo tipo de construção do mapa portulano: Cette inegalité est grave, elle montrait que les marins ne savaient pas s'orienter au juste, leurs vents ne répondent pax aux points cardinaux. Leurs rumbs, partout et toujours dans la Mer Méditerranée, furent prises dans un sens inclinés e tracés onbliquement; leur Est n'était que E 1/4 SE; leur Nord était O 1/4 NO et ainsi de suite, de toutes les directions des vents. Ce désarcord vient évidenment de la boussole dont l'aiguille déclinait à l'Est. Les marins, dès qu'ils commencérent à se servir de boussole, remarquèrent certainement cette déclinaison: mais confiantes dans leur instrument, ils abbandonnaient à ses directions décorées des appelations des vents, ne se souciant no de l'élevation du pôle, ni de points cardinaux, s'habituant bientôt à combiner la vu du ciel avec leur boussole. Les cosmographes n'ayant que les directions de la boussole et les distance rapportées par les navigateurs, composaient leurs cartes sur la rose de l'aimant, qu'ils qualifiaient rose des vents. (Lelewel, op. cit., volume II, pág 45).


(91) - Lelewel, op.cit. pág 44.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Sobre portulanos

Fornecer aqui uma lista de portulanos seria de pouca utilidade uma vez que não dispomos de fac-símiles que permitam um exame mais aprofundado. Além disso, o estudo mais compensador exigiria não tanto o exame dos exemplares mais brilhantes ou famosos, como o Atlas Medici de 1351 ou o mapa dos irmãos Pizigani de 1367, como de dezenas de fragmentos, às vezes bem pequenos, que permitiriam avaliar a lenta construção do saber geográfico e das técnicas de desenho e pintura.

O que realmente nos interessa agora é que alguns pontos referentes aos portulanos fiquem bem fixados.

Em primeiro lugar, seu caráter eminentemente prático e vinculado às técnicas de navegação desevolvidas durante o período de expansão comercial européia no Mediterrâneo (o que não impede desenvolvimentos posteriores distintos, como os mapas catalães que agregam informações geográficas advindas de outras fontes que não a experiência do mar).

Em segundo lugar, seu aspecto original (já que uma origem árabe está completamente afastada) pela elaboração de um espaço cartográfico e um instrumental matemático inassimiláveis seja à navegação por alturas, seja às "imagens do mundo".

Em terceiro lugar, o novo "lugar social" da produção cartográfica e de seus desenhistas, eminentemente urbano e capitalista. Este mapa é feito para ser vendido.

Por fim, os problemas específicos envolvidos em sua construção: ausência de conhecimento da declinação magnética, de qualquer rudimento de projeção, etc.

Se os mapas catalães representam, pela incorporação de informações não diretamente ligadas à navegação, uma parcial influência da cartografia latina tradicional (e igualmente da cartografia árabe), vejamos agora como as concepções dos portulanos se agregaram a esta cartografia.

Mais uma fase da cartografia latina

Lelewel analisa, em primeiro lugar, a obra de Marino Sanuto sobre as vicissitudes dos cristãos na Palestina. Após ter viajado várias vezes à região, à Armênia, ao Egito, a Chipre e a Rodes, ele escreve o Liber secretorum fidelium crucis (1306), agregando ao texto quatro cartas: uma da Palestina, uma da Anatólia e Jerusalém, uma que compreende o Egito, a Síria e o litoral até Rodes e um mapa-mundi. (92)

O trabalho de Sanuto, dirigido à autoridade eclesiástica e que precisa, portanto, "falar a sua língua", superpõem à organização dos espaços cartográficos segundo o modelo dos portulanos a nomenclatura tradicional: Cette notice respire comme la carte elle-même, l'érudition antique, que n'avait été jamais oubliée et commençait à reprendre parmi les italiens. La notice reproduit fidèlement les mots d'Isidore de Séville, des ravenants et des géographes antérieures: elle divise  les trois parties du monde en provinces, établies au temps de la domination romaine. En Afrique, pas un seul nom moderne ne se mêle à la description. En Europe, toutes les appelations postérieures ou modernes sont subordonnées à l'ancienne division et accidentalement rattachés. La seule description de l'Asie offre un esquisse double, ancienne et moderne. Moderni aliter dividunt, et ce que la notice a dit de cette division moderne est à peine soulevée par quelque nom de la mappe de mari et terra, qui abonde en appelations modernes dans l'Europe seule." (Lelewel, op.cit. volume II, pág 28).

Mas se a toponímia obedece a padrões antigos, a configuração dos continentes já segue o desenho dos portulanos: privilégio da configuração e do volume dos oceanos e dos cursos d'água, descrição detalhada dos litorais, das ilhas e penínsulas, etc. (93).




(92) Existem dois exemplares do século XV em códices existentes na Biblioteca da Borgonha e um do século XV em um códice parisiense (Chronicon ad annun 1320).


(93) "Marino Sanuto a pû savoir dessiner et connaître la méthode de la construction des cartes: mais comme il ne le dit pas lui même, nous devons considérer les cartes de son atlas comme des copies de cartes de l'époque et des cartes antérieures; qu'il a fait faire, afin de les attacher à son ouvrage, pour donner la mumière aux ignorants. Elles sont de l'école vénitienne, de la fabrique vénetienne."  (Lelewel, op.cit., volume II, pág 35).